Muitas pessoas ficam confusas na hora de usar uma terminologia para identificar “um deficiente”, seja qual for a deficiência. Com o passar do tempo surgem terminologias tidas como “corretas”, ao passo que outras são abandonadas com o argumento de politicamente incorretas. Mas afinal, qual termo é correto e por quê?
Tentarei responder, mas quero deixar bem claro que tal resposta é extremamente pessoal e baseada na minha experiência como “deficiente visual”. Deixo o espaço dos comentários para você, caro amigo internauta, registrar sua opinião.
Portador de Deficiência
O argumento a seguir, já foi citado em muitos lugares e situações, que é: Eu não porto minha deficiência como uma carteira ou uma chave. Eu não tenho a opção de deixá-la em casa. Quando saio de casa, verifico se minhas chaves estão no bolso, se estou levando meu cartão de transporte público, meu óculos escuro e meu celular. Se eu portasse minha deficiência, eu provavelmente a esqueceria debaixo das almofadas da sala, de propósito.
Imagine a situação…
Você ceguinho, sai de casa e no meio do caminho fica olhando para aquela mulher, “simpática de corpo” e de vestido vermelho, só então percebe que está enxergando e que esqueceu sua cegueira em casa.
“Putz, esqueci minha deficiência na mesa de casa, recarregando a bateria!”
Aí não dá! Se eu portasse minha deficiência visual, faria questão de esquecê-la no porão ou deixá-la cair no chão e quebrar.
Pléfiti! Ih, foi mal aí, eu não tinha visto minha deficiência na beira da mesa!”
Portador de Necessidades Especiais
Essa pra mim é a pior de todas! Além de você ter que “portar”, o negócio ainda por cima é especial. O único Portador de Necessidades Especiais que conheço é o Lex Luthor, arqui-inimigo do Super-Homem. Pense comigo: O cara para poder realizar todas as suas malvadezas precisa andar com uma pedra de Kryptonita no bolso (altamente cancerígena), para poder usá-la contra o Homem de Aço.
O prefeito dessa cidade, Metrópole, é outro com necessidades especiais. Imagina você ter que reconstruir metade da cidade, quase que diariamente, só porque o Super resolveu “salvá-la” do ataque de seres de outros planetas.
Agora, se você não sabe quem é Superman, sua necessidade especial do momento é deixar de ser alienado, meu querido.
Necessidade Especial para mim é ter que tomar um copo de ácido sulfúrico todo dia pela manhã, por recomendação médica, é claro! Portador de Necessidade Especial então é ter que levar um alienígena com um mini canhão de plasma orbitrónico (seja lá o que isso quer dizer!) no bolso traseiro da calça.
Deficiente Total
Nós, os “deficientes visuais”, somos classificados (vamos por assim dizer) de duas formas: Deficiente Visual Total, conhecido como cego e Deficiente Visual Parcial, conhecido como baixa visão. E é na hora de tentar diferenciar o cego do baixa visão, que surgem os Deficientes Totais. Ouço diariamente frases do tipo:
“Ah, Fulano é Deficiente Total!”, “Eu sou Deficiente Total!” ou mais estranho ainda “Ele é Total!”
Levando pelo lado do bom humor, não vejo problema nessas afirmações, mas cá entre nós, se formos levar ao pé da letra, ser Deficiente Total deve ser uma droga, não é mesmo?
Imagina levar nas costas o peso de todas as deficiências, não só as físicas, mas também as intelectuais, atitudinais, sociais e culturais? Isso é, se suas costas estiverem boas!
Imagina não ser eficiente em nada? Eu ficaria extremamente desmotivado em viver. Iria me jogar da ponte tentando me matar, e provavelmente, iria fracassar ferozmente, pelo fato de ser um deficiente total, ou seja, tudo que eu fosse fazer não seria bom e eficiente o bastante para ser concretizado.
Pessoa com Deficiência
De cara, afirmo que esse termo me agrada mais. Aqui, enfim eu não porto nada, nem nada é especial e muito menos sou um fracassado total. Simples, objetivo e sem colocar minha deficiência na frente do meu caráter, da minha personalidade.
Pessoa com deficiência, ou PCD como alguns dizem, é o mesmo que dizer: rosto com espinhas, carro com freio ABS, policial com arma e político com dinheiro na cueca.
E o melhor de tudo, é que pessoa com deficiência não restringe ninguém, afinal todos temos algum tipo de deficiência. Ninguém é eficiente completamente, ninguém é perfeito, ninguém sabe tudo.
Eu por exemplo, além de deficiente visual, sou deficiente monetário, deficiente de status social, e nesse momento, deficiente de ideias legais para terminar esse artigo.
Amei a ironia do texto e a clareza da explicação, eu mesmo que ja uso o termo Pessoa com deficiência desde que me foi explicado, achei fantástico a explicação da incoerência dos demais termos usados.